Como corredores devem cuidar de suas canelas, exigidas em treinos e provas

É lá pelos 15 minutos que começa uma queimação seguida de dor na região da canela, bem em cima do osso. O corredor insiste, testa seus limites, mas é obrigado a parar cinco minutos depois pela intensidade do incômodo.

Se você, leitor-corredor, já passou por isso, assim como eu, possivelmente você teve (ou tem) canelite, uma lesão de sobrecarga do osso da canela —a tíbia (que em sua versão masculina fazia dupla com Perônio no Castelo Rá-Tim-Bum).

“A canelite é uma doença que não é só do corredor, mas geralmente acontece com quem faz esporte, principalmente exercício de impacto”, explica o médico Thiago Bittencourt.

O especialista em pé e tornozelo destaca que o corredor, quando já passou por isso algumas vezes, sabe o momento que a dor virá —não necessariamente aos 15 minutos, como exemplificado no texto.

E a lesão não acontece somente com quem está começando, mas também em atletas de alto nível, uma vez que, ao aumentar a intensidade dos treinos, a sobrecarga pode ocorrer.

“Toda vez que a gente pisa, acontecem microlesões na nossa perna, e o corpo prontamente vai tentar cicatrizar. O problema começa quando essas microlesões acontecem mais rápido do que o corpo consegue cicatrizar.” O acúmulo dessas lesões forma a inflamação chamada de canelite.

Bittencourt explica ainda que tudo é uma questão de condicionamento. O problema é que, diferentemente do cardiorrespiratório e do muscular, o metabolismo ósseo é mais lento. Ou seja, para aumentar o nível do treino, pode demorar até seis meses para o corpo conseguir se acostumar com o novo estímulo.

Há ainda outros fatores que podem causar a inflamação. “Se a pessoa tem uma pisada que joga o peso mais para dentro [da perna], ou se o calçado está mais gasto do lado de dentro, ou se não tem tanto amortecimento, a pessoa vai ter maior propensão.”

O especialista destaca ainda que a mudança de terreno —desregulados e/ou inclinados— também influencia.

COMO EVITAR

Respeitar o seu limite. Essa é a regra número um. “Do mesmo jeito que o corredor para, diminui a quantidade da atividade física quando o batimento cardíaco ou a respiração chega a um certo limite, é importante que se respeite também quando a perna chega ao limite”, afirma Bittencourt.

Um bom alongamento da parte da frente da perna é importante. Mas a chamada cadeia posterior, que vai desde a lombar, passa por glúteos, posterior da coxa, panturrilha e chega à fáscia plantar, também merece atenção. “Alongando bem essa parte já melhora bastante porque tira um pouco da tensão no tornozelo.”

Isso é importante porque, durante a movimentação da pisada, o tornozelo fica em angulação menor a 90° em alguns momentos, o que força a parte da frente da perna —onde se concentram as dores da canelite.

Aliado ao alongamento, o fortalecimento de coxas e panturrilhas forma uma boa proteção do osso e previne a inflamação.

E para intensificar os treinamentos ao mesmo tempo em que respeita os limites do corpo, o corredor deve aumentar aos poucos o estímulo para que suas pernas ganhem condicionamento.

“Se é sabido que a dor chega com 40 minutos, o bom seria não deixar essa dor chegar por cerca de um mês. Aí depois aumenta um pouquinho e assim vai treinando as estruturas musculares e esquelética da perna para aguentar as pancadas que recebe [durante a corrida]”, recomenda o médico.

E SE EU NÃO FIZER NADA?

Todos esses conselhos são para evitar que o quadro da inflamação se agrave. “A maior preocupação nossa com a canelite é ela evoluir para uma lesão pior, que seria a fratura por estresse da tíbia”, afirma Bittencourt.

O caminho para a fratura é a repetição da sobrecarga, que impede a cicatrização a tempo de um novo estímulo. O médico explica que, até chegar a esse momento, as dores aumentam, ficam mais frequentes e acontecem mais rápido no treino —por exemplo, se com 40 minutos normalmente vem a dor, ela começa a ocorrer aos 30 minutos, 20 minutos e assim sucessivamente.