Volta à Ilha foi a primeira e a última corrida de aventura para mim, diz atleta

Participar da Volta à Ilha pode ser o sonho de muito corredor espalhado pelo Brasil, principalmente daqueles que não contam com a variedade de terrenos disponíveis em Florianópolis.

O corredor Wesley Faraó Klimpel —que também é jornalista da Folha e marido desta blogueira— morou por seis anos na ilha, mas foi ouvir falar da prova pela primeira vez quando já estava em São Paulo. Decidiu, neste ano, topar o desafio proposto por seu instrutor à época da prova.

Ele pratica corrida regularmente há cinco anos e já participou de provas com diversas distâncias, desde 5 km até a tão desejada maratona, todas em terreno regular. Mas descobriu que, no esporte, sua praia não é feita de areia —prefere mesmo é o tênis no asfalto.

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Corro regularmente desde 2014, quando passei a ter acompanhamento de uma assessoria esportiva. A parceria era a distância, e o técnico, de Florianópolis, enviava as planilhas por email ou por aplicativo, enquanto eu, em São Paulo, fazia o treino e preenchia digitalmente. Foi assim por cinco anos e várias provas, entre elas quatro meias e uma maratona. Com esse treinamento, cheguei ao pace 4’21” em corridas de rua.

Como dizem, a corrida é um esporte individual, o que me faz ser o meu principal companheiro e adversário. Uso os longões para debater internamente questões pessoais e as provas para superar meus ‘eus’ passados. Mas sempre gostei de esportes coletivos e de ter novas experiências. Por isso, quando meu técnico falou sobre a Volta à Ilha, fiquei prontamente interessado.

Você nunca ouviu falar na prova? Nem eu, mesmo tendo morado em Florianópolis por seis anos. Como o próprio nome diz, é uma volta no “pedacinho de terra perdido no mar” que forma boa parte da capital catarinense. Equipes de duas a dez pessoas correm 144 km, que circundam quase totalmente a ilha.

De São Paulo, eu via postagens em redes sociais sobre a prova, mas não tinha noção de como ela era. Quando minha assessoria esportiva começou a falar a respeito, meses antes da prova, eu me inscrevi, sem pesquisar o trajeto. Esse foi o primeiro erro da minha experiência.

Foi criado um grupo de WhatsApp semanas antes da prova. Por morar em SP, desconhecia a maior parte da equipe. Logo vi que a turma era rápida, com pace médio entre 4’30” e 5’.

Acostumado com as provas de rua, em que me inscrevo, pego o kit de competidor um dia antes e apareço no local e horário da corrida, fiquei surpreso com a logística necessária para a Volta à Ilha, uma competição que começa antes das 7h e termina à noite.

Nossa equipe (de oito pessoas) teria uma van e uma moto, ambas com motorista para dar conta do esquema: enquanto um corredor larga no ponto A, o competidor do trecho seguinte deve ir ao ponto B para receber o bracelete e seguir correndo.

Os atletas que não estivessem participando estariam na van, que faria grande parte dos trajetos. A moto seria usada nos momentos de maior trânsito ou maior urgência. A van teria também um estoque de frutas, água e energéticos, para que todos pudessem se alimentar entre seus trechos. E todos deveriam levar seus próprios alimentos.

A prova é dividida em 18 trechos, com níveis como “fácil”, “moderado”, “difícil”, “muito muito difícil” e “o mais difícil”, e distâncias de 4 km a 16,4 km. Para completar o quadro, há diferentes tipos de terreno, como asfalto, praia, trilha e estrada de terra.

O instrutor, que também era integrante da equipe, fez uma divisão para que todos percorressem ao menos dois trechos durante o dia, com um bom intervalo de descanso para cada um. Pelo meu pace em asfalto, fui escalado para fazer um trajeto entre a Praia Brava e a Praia dos Ingleses, de 5,2 km, em que teria praia, trilha e praia, e a famigerada Estrada do Sertão, o pedaço mais difícil e o mais longo, de 16,4 km.

Por coincidência, semanas antes da prova passei alguns dias em Floripa, de férias, e pude treinar na tal Estrada do Sertão. Numa manhã de céu nublado, eu, descansado, subi o morro de terra correndo. Após 500 metros parei. Tentei ver o lado positivo da situação e pensei que estava só fazendo um reconhecimento do percurso. Continuei o trecho alternando entre caminhadas e corridas, em meio a subidas e descidas íngremes.

Dias depois, refiz o trajeto, mais rápido, mas ainda assim alternando entre caminhadas e corridas, e desapontado comigo mesmo por não conseguir subir tudo correndo. Torci para que eu estivesse em melhor forma no dia da Volta à Ilha.

Chegada a data, estava no ponto de encontro antes das 5h. De lá, partiriam as três equipes da assessoria esportiva: uma masculina, uma feminina e a minha, mista. Ali entendi que precisa ter experiência para organizar um time, já que todos tinham uma van e uma moto ou então dois carros. Foi ali, também, que conheci os demais integrantes do meu grupo.

Eu era o último da minha equipe a largar, e vi um a um fazer seu trecho e voltar cansado ao carro. Os primeiros percursos, mais fáceis, eram no asfalto, ainda antes do amanhecer. Mas, quando o sol começou a ficar mais forte, senti que a situação complicaria para o meu lado.

Larguei por volta das 10h, com sol forte e areia fofa. O pior, porém, foi na trilha. Escorregadia, íngreme e cheia de pedras, tive que alternar entre corrida e caminhada para poder escolher as rochas em que pisaria, além de deixar passar outros competidores. Finalizei meu trecho com pace de 6’14”.

Enquanto esperava meu próximo trajeto, vi atletas subindo morros íngremes, embaixo de um sol escaldante, e comecei a me arrepender de estar ali —eu já havia corrido 4 horas seguidas, com chuva em alguns momentos, e não entendia o sentido de ficar o dia todo em um carro, pegando trânsito, para percorrer trajetos insalubres.

Chegou então minha hora de enfrentar a Estrada do Sertão, mas agora para valer. Tive a companhia do sol apenas no início, na praia, mas o calor foi constante por todo o trecho. No morro, repeti a toada dos treinos: caminhada e corrida. Ali, todos os competidores faziam a mesma coisa, exceto duas pessoas, que subiram a colina toda sem caminhar. Quando superei o morro, me toquei que ainda teria cerca de 7 km em asfalto, com subidas e descidas leves. Mesmo assim, cansado, continuei intercalando as velocidades.

Só queria tomar banho, comer e descansar quando finalizei meu trecho. Mas ainda precisava esperar minha equipe completar outros dois percursos. Seguimos para a linha de chegada, onde todos os competidores se reuniriam. Aos poucos, foram chegando os atletas que estavam correndo o derradeiro trecho do dia.

Um atleta da minha equipe falou que adora corridas com trilhas ou meias e maratonas, e que não faz provas de 10 km porque não desenvolve velocidade. Percebi, em Floripa, que minha praia é a corrida no asfalto, em que posso desenvolver velocidade, sem me preocupar com pedras escorregadias, galhos de árvores ou buracos de terra batida. No fim das contas, a Volta à Ilha foi a primeira e última corrida de aventura para mim.