Quem é Kipchoge, o queniano que atingiu marca histórica e completou maratona em menos de 2 h
Ele conseguiu. Em uma manhã fria vienense, o queniano Eliud Kipchoge, 34, conquistou seu espaço na história das corridas ao completar os 42,195 km da maratona em menos de duas horas. Ele cruzou a linha de chegada do Ineos 1:59 Challenge a 1h59min40seg.
Kip, como é conhecido, há alguns anos já faz parte da calçada da fama dos corredores. Em Berlim, em 2018, bateu o recorde da modalidade, com o tempo de 2h01min39seg. Em abril deste ano, poucas semanas antes de o desafio deste sábado (12) ser anunciado, ele estabeleceu a melhor marca da prova em Londres: 2h02min37seg.
Era a segunda melhor da história até o etíope Kenenisa Bekele vencer a Maratona de Berlim em 2019 com incríveis 2h01min41seg. Ainda assim, Kip detém 3 dos 10 melhores tempos em maratonas.
Apesar dos 10°C que marcavam o termômetro às 8h15 durante a largada em Viena, a população local e turistas apaixonados por corrida estava lá para apoiar o maratonista desde cedo. A maior concentração estava, como era de se esperar, na linha de chegada. Pela internet, a transmissão ao vivo pelo Youtube alcançou mais de 700 mil que acompanhavam o desafio à distância.
E ainda que uma leve neblina cobrisse a capital austríaca, não havia vento para atrapalhar o queniano na seu objetivo de completar a distância da maratona em menos de 2 horas. Ele o fez com o ar tranquilo de quem passeia no parque.
A estratégia adotada, segundo os comentaristas da transmissão oficial, foi correr a segunda metade tão rápida quanto a primeira. Com essa estabilidade, ele percorreu todo o trajeto dez segundos abaixo do seu tempo alvo.
O feito de Kip foi histórico, mas não entra para os melhores tempos. Por ter condições (quase) perfeitas, o desafio não obedece aos requisitos necessários para constar no ranking.
São três os principais fatores para a conquista não entrar para a lista oficial de recordes. Kip não competia com ninguém —o evento foi criado para ele bater a marca. Também os pontos de largada e chegada não possuíam a distância mínima de 21,097 km entre si exigida pela Iaaf (Associação Internacional de Federações de Atletismo). E a utilização de pacemakers —atletas que acompanham o líder na prova para determinar o ritmo— em esquema tático especial para que a melhor performance pudesse ser alcançada.
No total, 41 corredores foram escalados para a tarefa. Como era de se esperar, a mistura de fundistas e meio-fundistas de diferentes nacionalidades contava com alguns dos homens mais rápidos do mundo.
Com seis reservas, as cinco equipes de sete atletas cada contornavam Kip durante o trajeto, sendo cinco na frente e dois atrás. A cada 9,6 km, dois pacemakers eram substituídos.
Um deles era o jovem etíope Selemon Barega, 19, que ganhou a medalha de prata dos 5.000 metros no Mundial de Atletismo de Doha este ano. Ele é o recordista nos 3.000 metros e detém o segundo melhor tempo nos 5.000 metros e nos 10.000 metros.
Outro que acompanhou Kip foi o também queniano Eric Kiptanui, 29, especialista em meia maratonas que ocupa o sétimo lugar no ranking de melhores marcas da modalidade.
Mas quem é Eliud Kipchoge, o maratonista mais rápido da história?
Caçula de cinco filhos, seus pais são pequenos agricultores em Kapsisiywa, a 315 km da capital do Quênia, Nairóbi. Pouco se sabe do pequeno vilarejo onde a estrela da corrida nasceu, em 5 de novembro de 1984, estudou em uma escola para meninos e até hoje treina nas proximidades, no Global Sports Camp, em Kaptagat, a 67 km dali.
Foi na escola que começou a correr, casualmente. O esporte era tanto um hobby que Kip nunca alcançou o nível das competições de seu distrito. Seu cotidiano era dividido entre o hobby, as aulas —o queniano gostava de estudar— e a rotina da pequena fazenda, onde cuidava dos animais e ia buscar água no rio próximo, junto a sua mãe.
Em uma carta escrita pelo próprio atleta para sua versão mais jovem, publicada no site da Iaaf, ele diz: “Crescer em uma fazenda no Quênia rural irá ajudá-lo a desenvolver habilidades que o levarão longe no esporte. Desde cedo, você já possui uma boa ética no trabalho e autodisciplina.”
Após se formar, Kip treinava por conta própria e começou, em 2001, a participar de provas locais de cross-country (em que o terreno varia de terra a grama, montanhoso a plano, e as distâncias ficam entre 4 km e 12 km).
Numa série de competições, ficou em segundo lugar no geral e chamou a atenção do holandês Jos Hermens, seu representante até hoje. Era o começo de uma carreira de precisão infalível, mas que encontrou seus atrasos pelo caminho.
Nas provas que o levariam para o Campeonato Mundial de Cross Country em Dublin, em 2002, ele despontou. Mas ficou doente antes da competição e terminou em quinto. No mesmo ano, triunfou na seleção dos 5.000 metros para o Campeonato Mundial Júnior, a malária, porém, o tirou das pistas da Jamaica.
Sua carreira iria começar a decolar mesmo no ano seguinte, quando um jovem franzino de 18 anos do interior queniano venceu o Mundial de Cross Country em Lausanne, na Suíça. E ainda em 2003, o mundo viu o atleta de 1,67 m de altura vencer os 5.000 metros Mundial de Atletismo de Paris.
Ele superou o marroquino Hicham El Guerrouj, quatro vezes campeão dos 1.500 metros, e o etíope Keninsa Bekele, que vencera os 10.000 metros naquele mundial. Um ano mais tarde, na Olimpíada de Atenas, conquistou a medalha de bronze na modalidade.
Durante os nove anos seguintes, Kip alternou anos em que ia bem nas competições com outros em que sua performance era aquém do esperado. O ponto mais baixo de sua carreira como fundista e meio-fundista foi em 2012, quando ficou de fora da Olimpíada de Londres nos 5.000 metros e 10.000 metros.
Foi nesse mesmo ano, porém, que o queniano fez uma curva em direção à maratona. Em setembro, fez seus primeiros 21,097 km na prova em Lille, na França. Terminou em terceiro lugar. Correu mais algumas provas na distância ainda em 2012 e em 2013 —ano que estreou na modalidade que alçaria seu nome entre os principais atletas do mundo.
Em abril daquele ano, venceu a Maratona de Hamburgo, na Alemanha. Em setembro, perseguiu Wilson Kipsang (que bateu recorde mundial na ocasião) na Maratona de Berlim, mas ficou em segundo lugar. É a única prova da modalidade, das 12 que participou até hoje, em que carrega uma derrota.
A sequência de bons resultados o levou ao desafio Breaking2, da Nike, que o patrocina até hoje. A meta era tão ambiciosa quanto a de agora, mas, por 26 segundos, ele não conseguiu quebrar a barreira das duas horas.
E para além das vitórias em maratonas, a vida do queniano tem duas presenças marcantes: o treinador, Patrick Sang (que o atleta vê muito mais como um mentor e figura paterna, já que nunca conheceu seu pai) e os livros. Ele adora obras de auto-ajuda e biografias.
“Quem Mexeu no Meu Queijo” é o favorito. Para Kip, é tão relevante para um homem de negócios quanto para um atleta e excelente para ajudar a lidar com as mudanças. O queniano já mudou a história da maratona. E agora, qual será seu próximo feito?