Como é um treino de eletroestimulação, em que o músculo recebe ‘choques’

Ter músculos fortes é um dos pré-requisitos para quem pratica corrida, principalmente nas pernas e abdômen. Ficar levantando pesos e fazendo agachamentos na academia durante quase uma hora, porém, pode ser bastante entediante para muitos corredores. Ao menos, é para mim.

A convite da miha, empresa alemã que fabrica aparelhos de eletroestimulação, realizei um treino para descobrir como é essa prática que volta e meia ganha os holofotes. Mas, antes de entrar em detalhes sobre a experiência, é preciso que o leitor entenda o que é essa tal de eletroestimulação.

“É uma técnica que promove uma contração muscular involuntária por meio de um impulso elétrico”, explica Márcio Lui, embaixador da empresa e personal trainer. Trocando em miúdos, são “choques” controlados que chegam a ativar mais de 300 músculos em uma sessão que dura cerca de 20 minutos.

Para que esses impulsos elétricos sejam gerados, quem realiza o treino utiliza uma roupa especial úmida por debaixo de um colete no tronco e tiras nas pernas, nos braços e nos glúteos, que vão receber a corrente.

Na prática, o treino não varia muito de um treino funcional, que usa o peso do próprio corpo em vários exercícios. A diferença está realmente no estímulo elétrico, que gera um desconforto inicial, por ser uma sensação diferente, e torna alguns movimentos mais difíceis –para mim, foi no de tríceps, quando o braço parecia travar.

Na sessão que fiz, foram 20 minutos de treino de força, que passaram voando, e outros 10 minutos voltados para o cardiorrespiratório. Nesse caso, intercalam-se séries curtas de polichinelos e corrida com joelho no alto, por exemplo, com um trote leve.

O maior baque veio mesmo nos dias seguintes. Devido à pandemia, minha rotina de treinos tem se dividido entre dois dias de funcional e dois de ioga, via aplicativo, além de um a dois treinos leves de corrida por semana. Ou seja, sem ganhos significativos de hipertrofia, com foco apenas em diminuir a perda de condicionamento.

Domingo e segunda-feira após a sessão, ou seja, passadas entre 48 horas e 72 horas, lembrei que meu corpo é formado por músculos. Vários deles, inclusive. Parecia que eu havia ficado completamente parada por, no mínimo, uns três meses.

Treino de eletroestimulação realizado no estúdio e-Body Brasil, em São Paulo (Arquivo pessoal)
Treino de eletroestimulação realizado no estúdio e-Body Brasil, em São Paulo (Arquivo pessoal)

Um dos motivos dessa dor “profunda” está nos níveis alcançados pela eletroestimulação. “[Nesse tipo de treino] você consegue alcançar um número maior de fibras musculares em treinos mais curtos”, explica a especialista em medicina esportiva, Renata Castro.

“Isso quer dizer que, na coxa, por exemplo, um músculo grande, quando se faz um agachamento, treina-se essa musculatura, mas não necessariamente se usa todas as fibras musculares para aquele exercício”, esclarece Castro. “No treino de eletroestimulação, faz-se o agachamento levando os tais ‘choquinhos’, recrutando um maior número de fibras. O resultado é um gasto energético maior e mais trabalho da musculatura, principalmente as fibras mais profundas.”

Segundo Lui, a sessão continua gerando efeito nas células musculares até 72 horas depois de terminada, o que leva a um gasto energético decorrente do treino neste período também.

MAS A ELETROESTIMULAÇÃO TEM VANTAGENS EM RELAÇÃO À MUSCULAÇÃO?

Um estudo da Revista Mackenzie de Educação Física e Esporte, de 2009, comparou a realização da musculação com um treino de eletroestimulação em mulheres com idade entre 19 e 21 anos que não realizavam atividade física havia mais de um ano.

Nos treinos de musculação foram utilizadas pesos de 40% da carga máxima, enquanto o aparelho eletroestimulador foi programado com uma frequência de 0,538 Hz. Segundo a pesquisa, não houve diferenças significativas entre os dois métodos para melhora na capacidade física e no aumento de força.

Castro ressalta, porém, que esse tipo de pesquisa apresenta certos desafios na realização. “Quando se avalia respostas a um tipo de treinamento, como os treinos são muito individualizados, tanto a EMS quanto a musculação, fica difícil fazer comparação em estudo científico, além da individualidade biológica [de cada participante].”

Lui destaca ainda que a eletroestimulação oferece resultados similares ao treino convencional com sessões menores, além de ter menor impacto muscular. Além disso, o personal trainer explica que o treino segue fazendo efeito mesmo após sua realização. “A sessão continua reverberando nas células musculares até 72 horas depois do término, assim como há gasto energético decorrente do treino neste período também.”

Já para os corredores, Vitor Morigge, coordenador da unidade Jardins do estúdio de eletroestimulação e-Body Brasil, explica que o rendimento tende a aumentar e ganhar em qualidade, bem como melhorar a postura, a força e o equilíbrio no assoalho pélvico.

E QUAIS SÃO OS RISCOS DA ELETROESTIMULAÇÃO?

A recomendação antes de qualquer treino, inclusive o de eletroestimulação, é passar por uma avaliação clínica, tanto para analisar o nível de atividade quanto se há qualquer alteração renal. “Quando se faz muita atividade muscular, os músculos liberam creatina, que, em excesso, pode gerar alteração renal”, explica Castro.

Morigge afirma que pessoas com epilepsia, marca-passo cardíaco artificial, implantes médicos ativos, hérnia de parede ou inguinal, tuberculose, distúrbios circulatórios graves e hemofilia, além de grávidas, não podem realizar o treino.

Outro ponto de atenção é quanto ao excesso de treinamento. O estúdio e-Body Brasil só autoriza duas sessões semanais, por exemplo. “Caso se queira fazer outros tipos de exercícios físicos, não há problema algum, desde que respeitado o descanso do corpo. Em dias de treino de eletroestimulação, não recomendamos ir à academia ou fazer um treino funcional, pois há sobrecarga”, explica Lui.

Castro complementa que esse descanso se faz necessário. “Mesmo com a musculação tradicional, o ideal é que o músculo tenha 48 horas de repouso”, explica.“O treino de EMS vai pegar todas as cadeias musculares, e a princípio não precisa complementar com musculação tradicional.”

Apesar de seus benefícios, em especial para quem tem baixa aptidão física, a eletroestimulação acaba tendo como desvantagem o preço. Um treino personalizado de 20 minutos (uma vez por semana) custa a partir de R$ 110, no estúdio e-Body Brasil, segundo Morigge. Há planos mensais, trimestrais, semestrais e anuais, que variam de acordo com o local onde será realizado.

O treino de eletroestimulação foi realizado a convite da miha.